quarta-feira, 28 de março de 2018

RODRIGO LEÃO & SCOTT MATTHEW NO CCB: QUANDO A MÚSICA TRADUZ O PARADOXO DA VIDA

A convite do Echo Boomer, tive o prazer de assistir ao mais recente concerto de Rodrigo Leão com Scott Matthew, numa última apresentação do trabalho em colaboração entre os dois artistas, "Life Is Long".

Fica aqui a crítica, da minha autoria, a este fabuloso concerto!

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Foi na passada quinta-feira, dia 22 de março, que o Grande Auditório do Centro Cultural de Belém se encheu de pessoas sedentas por um concerto que prometia aquecer a noite que se fazia sentir bem fria. Tratou-se do último concerto da digressão “Life is Long”, álbum de Rodrigo Leão em colaboração com Scott Matthew, que durou um ano e meio e que contou com quase 40 concertos – pelas palavras do próprio músico, num agradecimento tímido mas repleto de gratidão e satisfação. 

Foi, por isso, um momento especial, magnífico e, diria até, épico, pelo tom cinematográfico que já é apanágio do artista, muito bem acompanhado pela voz do timbre envolvente, dramático, aveludado e sólido de Scott Matthew. Este último acabou por ser o cantor convidado para a gravação deste álbum, depois do seu brilhante desempenho enquanto vocalista na faixa “Terrible Dawn”, que faz parte do álbum A Montanha Mágica, editado por Rodrigo Leão em 2011. Desde aí que a conversa entre os dois músicos nunca mais cessou. 

Rodrigo Leão é um Músico com M grande e uma dos compositores mais marcantes no panorama musical nacional. Multifacetado em termos de estilos musicais, que vão desde diversas bandas sonoras (destacar, em especial, o brilhante trabalho para a série portuguesa O Equador, em 2008, e um outro, não menos fantástico, trabalho na banda sonora do filme The Butler, em 2013), à música clássica contemporânea e, até mesmo, a algumas influências latinas e de pop alternativo, nunca abandona o dramatismo melódico, a teatralidade e a reflexão sobre temas que nos tocam a todos numa transposição da vida (e neste, caso, da morte) em notas musicais – tarefa que faz de forma exímia. 

É precisamente sobre um tema que nos toca a todos que se debruça o álbum Life Is Long: a Vida e a Morte. Assim, a efemeridade, a fugacidade do tempo e a natureza breve da vida, que deve ser vivida com serenidade, é neste álbum transposta para a música com uma crueza tal que chega a tocar no estoicismo (uma corrente filosófica que considera ser possível encontrar a felicidade desde que se viva em conformidade com as leis do destino, o que inclui a aceitação de que existe um destino comum e inevitável e que esse destino é a morte). 

O concerto abre com “Enemies”, faixa que prima pelo pop rock melódico, e que prendeu a atenção da plateia de forma arrebatadora. Arriscaria dizer que o conjunto garrido e exuberante desta faixa nos transporta até outra grande banda portuguesa, Ornatos Violeta. 
É tocada e cantada com paixão e com, lá está, muita garra. 

Depois de uma entrada tão enérgica, surge “Child”, uma canção simples mas absolutamente deliciosa, sempre com aquele toque nostálgico que é transversal às obras de Rodrigo Leão e, diria mesmo, simplesmente triste.

Segue-se “The Fallen”, uma das músicas em que eu, pessoalmente, considero que Scott tem uma das melhores prestações vocais. O seu timbre aveludado encheu o auditório e entrou, decerto, com muita suavidade nos ouvidos da audiência. As notas de violino, pela Viviena Tupikova, complementaram “The Fallen” com uma sensação de beleza eminente.

“Nothing Wrong” surge com uma imensa melancolia, mais uma vez, quase a tocar no desesperança e resignação, emoções que Scott tão bem traduz na sua forma de cantar, com um tom ligeiramente desesperante no final de cada estrofe (difícil transpor em palavras, pelo que se aconselha a audição da faixa do álbum), e de forma mais intensa na frase “They’re Over” no refrão. Aqui, especialmente o prolongamento de “Over”, a entrega total com que o canta faz-nos sentir o peso da angústia de ter perdido algo. 

Voltando aos temas do fatalismo, estoicismo e da resignação, aceitação da brevidade e efemeridade da vida, num tom muito “It is what it is” e “C’est la vie”, a faixa “That’s Life” surge como um expoente máximo desta perspetiva – como é, de resto, autoexplicativa parte da letra: “Now it’s over / That’s life / É a vida / C’est la vie / I’m getting any younger / But we try / That’s Life”. O tom melancólico e esta carta aberta, no fundo, à vida em si, faz com que esta seja uma das faixas mais bonitas do álbum e um dos melhores momentos deste concerto.

   

Após uma primeira parte bastante intensa, Rodrigo Leão brindou-nos com umas breves mas emocionantes palavras de agradecimento, momento que fechou com o tema instrumental “Empty Room”. Uma faixa inteiramente instrumental, com aquele tom cinematográfico que lhe é tão característico, e que nos proporcionou um verdadeiro oásis de calma e beleza no meio de um concerto repleto de emoções fortes. 

Para uma segunda parte, Scott Matthew saiu de cena, por momentos, para dar lugar à atuação da assemble dos 5 músicos: João Eleutério na guitarra e no baixo, Carlos Tony Gomes no violoncelo, Viviena Tupikova no violino e sintetizador, Francisco Gracias na bateria e Marco Alves no trombone e metalofone – e, claro, nunca esquecendo o músico principal, o brilhante Rodrigo Leão. 

Seguiram-se duas faixas puramente instrumentais, recheadas de teatralidade e energia. De destacar aqui a harmonia perfeita entre os músicos, que constantemente comunicavam entre si, com olhares, gestos, sorrisos e provocações, numa verdadeira dança de notas músicais atrevidas. 

Volta Scott ao palco, para nos brindar com uma das faixas que é das mais tristes, mas, também, das mais bonitas do álbum. Trata-se de “In The End”. Mais uma vez aqui muito presente o tema da efemeridade da vida, do Fim, de tudo e todos termos irremediavelmente esse Fim. A tristeza com que canta “As your last breath begins / Contently take it in / Cause we all get it in / The end” faz-nos mesmo relativizar tudo na vida quando nos deparamos com a morte. 

E é com um tom de mistério e enigma que começa a faixa “Unnatural Disaster” – um conjunto de estrofes bastante obscuras que desaguam num refrão refrescante e, até, esperançoso. De destacar aqui a brilhante prestação do trombone, por Marco Alves, que sem dúvida alguma encheu e enriqueceu muito esta faixa. Encheu-nos, também a nós, o coração.

Scott Matthew revela-se uma pessoa meio tímida, mas brincalhona, quando afirma perante o público que, agora, vai tocar uma das suas mais recentes composições. Foi, aliás, um privilégio para nós, ouvir em primeira mão esta faixa, visto que foi a primeira vez que estaria a tocar e cantar esta faixa em público. Uma melodia simples, em acústico, e com alguns enganos, notas erradas e falhas pelo meio – com as quais o cantor soube lidar com humor, provocando também risos por parte da plateia. Ainda a solo no palco, tivemos o prazer de cantar com Scott, uma cover da tão conhecida canção “I Wanna Dance With Somebody” de Whitney Houston. Foi um momento de envolvência genuína, com as centenas de pessoas que encheram o Grande Auditório do CCB a cantar em uníssono. 

De forma sorrateira entra mais uma faixa instrumental, na qual mais uma vez o trombone e o violino se destacam com as suas notas, numa dança atrevida entre os dois instrumentos. E chega a vez de “Terrible Dawn” – a primeiríssima canção gravada em colaboração entre Rodrigo Leão e Scott Matthew, em 2011. Foi com esta faixa que nasceu todo o trabalho de colaboração entre os dois artistas, foi um mote – no fundo, a música que estabeleceu o tom para o que estava para vir. Eis uma canção envolvente, com uma influência de Blues bastante marcada e com uma bateria e uma guitarra que se deixam arrastar ao longo de uma constante melodia em sintetizador. E se no álbum esta faixa está espetacular, no concerto não se ficou nada atrás.


E para contrariar essa ideia de efemeridade da vida que acaba por ser um tema geral do álbum, como que num paradoxo (e, afinal, não é a vida isso mesmo?), surge o single, “Life is Long”. O violino chora com Scott, que canta “Life, life is long / whoever thought that could be wrong / life is long Life” numa harmonia delicada e deliciosa.

   

E aqui termina este Fabuloso concerto (sim, com F grande). Errr… termina? 

Será que termina mesmo por aqui? 

Como é óbvio, não. Os músicos voltam para um encore, primeiro com uma faixa instrumental encantadora, esplêndida, com uma imponência e perfeição tal, que garanto-vos, muita gente (incluindo eu) ficou com lágrimas nos olhos. 

Seguiu-se a faixa “Abandoned”, que não integra o álbum Life is Long, sendo a mais recente colaboração entre os dois artistas, lançada em 2017. 

E quando já todos pensávamos que o concerto tinha mesmo terminado, eis que temos direito a mais um encore especial. Sendo o último concerto desta digressão, os músicos quiseram deixar a sua audiência de barriga cheia, presenteando-nos e fechando assim o concerto, repetindo o single “That’s Life”. Uma despedida mágica que nos deixou com um gostinho de uma melancolia feliz para terminar a noite. 

 Este concerto envolveu-nos e despiu-nos a alma. Ali, naquele momento, éramos só nós. Nós e a música, nós e a vida, nós e a morte. “Because That’s Life“.