segunda-feira, 16 de abril de 2018

Adriana Calcanhotto – A Mulher do Pau Brasil

Do outro lado do atlântico, chegam-nos sons e ritmos quentes, pautados pela leveza de quem vive uma vida livre. Adriana Calcanhotto é um exemplo vivo isto, tendo conquistado o seu público irmão com a sua voz de timbre caloroso e suave, com as suas obras musicais que nos embalam e as letras que nos deixam um quentinho no coração, que nos fazem sorrir, numa onda “bossa nova pop” muito própria. 

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A sua carreira teve início nos anos 90, mas o espectáculo que deu em Lisboa, mais precisamente no Centro Cultural de Belém, no passado dia 10 de Abril, foi uma estreia. “A Mulher do Pau Brasil”, designação dada a este espectáculo inédito, nasce do seu trabalho enquanto Embaixadora da Universidade de Coimbra e de toda uma carreira que reflecte e se debruça sobre literatura e história. Porque para além de artista, Adriana é claramente uma mulher de palavras, compreendendo e utilizando o seu poder transformativo e aliando-o à música. 

A expectativa e curiosidade eram, assim, de elevado nível. Todo um público sedento por um espectáculo que prometia formou uma fila gigantesca que não só encheu, como quase transbordou, o Grande Auditório. Envolta num ambiente misterioso e provocativo, a artista surge balanceando-se numa cama de rede enorme suspensa sob o palco, acompanhada por Gabriel Muzak, na guitarra e Ricardo Dias Gomes no piano e baixo. Mulher do Pau Brasil foi, justamente, o tema de abertura, homónimo do espectáculo – esta audiência teve o privilégio de escutá-lo em primeira mão –, inspirado nos movimentos modernista e antropófago brasileiros dos anos 20, cujo o título é inspirado na obra Pau Brasil, de autoria do poeta Oswald de Andrade, editado em 1925. 

Em entrevista, Adriana afirmou que o seu principal foco, para este espectáculo, seriam a dor, o luto e a luta. E é isso mesmo que transmitem estes dois primeiros temas, tanto A Mulher do Pau Brasil quanto a se seguiria, A Dor Tem Algo de Vazio - poema de Emily Dickinson, com título homónimo. É verdadeiramente incrível o quão bem consegue a artista transpor três temas tão complexos da vida em notas musicais. A forma intensa e quase desesperada com que canta a frase “de dor”, no refrão, não deixa nada por dizer. 

Mas nem só de temas novos se formou este espectáculo. Adriana prestou homenagens a alguns outros cantores conhecidos, tais como Maria Bethânia – com o tema Mortal Loucura –, Vinicius de Moraes – com o tema Nature Boy – e Chico Buarque – com o tema Caravanas. De entre as melodias mais conhecidas, tivemos o prazer de voltar a ouvir clássicos como Esquadros, Onde Andarás, Não Demora, Inverno, Devolva-me e as tão conhecidas Vambora e Fico Assim. Nomes grandiosos, músicos de excelência e temas clássicos que enriqueceram muito a experiência e, decerto, provocaram muita nostalgia. 


Chega com calma o tema Noite de São João – poema do heterónimo Alberto Caeiro proclamado por Adriana Calcanhotto, o que só tornou a noite ainda mais mágica e poética. Está aberto o caminho para mais um novo tema, O Que Me Cabe. Acompanhada de uma guitarra pautada ao ritmo bossa nova, e com um timbre de voz aveludado, Adriana embala-nos ao som de uma letra sofrida, na qual, novamente o tema da dor está muito presente, como se deixa entender, de resto, pela letra “Você não sabe, o que me cabe. No silêncio, dor. No escuro, dor. No espelho, dor.” 

De igual modo, nem só de música se fez este concerto, na medida em que houve longos e saborosos momentos de diálogo entre a artista e a plateia, criando um ambiente empático e envolvente. Foram diversos os momentos ao longo do espectáculo que Adriana partilhou histórias e inspirações, provocando emoções fortes entre o público, e arrancando algumas gargalhadas. 

Terminou esta noite sublime, com um encore muito especial. Tigresa (original de Caetano Veloso) e Fico Assim foram os dois temas escolhidos pela artista para se despedir. De notar um percalço que decorreu em plena canção Fico Assim: um simples erro por parte de um dos músicos despertou toda uma onda de riso na plateia. Adriana soube lidar com este momento com muita naturalidade e leveza, novamente interagindo com o público com humor, acabando assim por ser um momento que fez toda a diferença! Adriana prometia e, definitivamente, não desiludiu.